Projeto 15 dias - São Thomé das Letras - Parte 1 - Versão em português

 











15 Dias

(São Thomé das Letras)







Prefácio

   

 

    O projeto 15 dias nasceu em Maio de 2023 , quando ainda pairavam dúvidas a respeito de quando seria viável (quando eu estaria de férias?) , existia também uma dúvida a respeito de qual seria a cidade escolhida para o projeto. Duas cidades completamente fora do “mainstream“ turístico mas cheias de misticismo , lendas , histórias de fenômenos inexplicáveis , pareciam exercer um fascínio ou uma mera vontade de embarcar rumo ao intangível aos órgãos dos sentidos. A ideia inicial era: 15 dias em um determinado local , cada dia uma crônica alicerçada nas experiências reais , curta e suscinta (com apenas 1 página de extensão) , uma poesia com temática livre mas inspirada no momento e uma gravura , desenho ou pintura com temática associada ao que foi mais importante no transcorrer do dia.

   De início eu já pude perceber que do conceito planejado , apenas a formatação estética poderia ser mantida (1 crônica + 1 poesia + 1 representação visual-desenho , pintura ou gravura) pois definido o local escolhido (cidade-destino) , eu comecei a ter inspiração para escrever poesia (mais de 2 meses antes da partida) , esta inspiração retornou faltando pouco mais de uma semana para o início da jornada. O impulso inspirador foi recebido sem restrições e trabalhados os ajustes , os poemas ficaram a espera de alguma situação a ser vivenciada que tivesse a adequada conexão. Antes mesmo de ir já me deparei com esta situação onde decidi que não poderia “engessar” meu processo criativo , sendo assim , não haveria limites de páginas seja para poemas , crônicas ou representações visuais. Em caso de abundância de material , estes serão conectados de acordo com a temática envolvida na crônica de cada dia , acontecendo o oposto (falta de material) vai haver o espaço para expressão livre posteriormente durante revisões , releituras e ajustes.

   Durante a produção do material eu pude perceber o quanto foi difícil conciliar as tarefas domésticas do dia a dia com as explorações , trabalho de registro fotográfico , experiências e exigências físicas e não físicas , bem como transcrever em palavras tudo envolvido. Importante se faz salientar que em uma cidade de aclives e declives , até comprar pães (dependendo de onde se compra) envolve esforço físico. Com o passar dos dias e a releitura do que estava sendo escrito , notei que as crônicas tinham forte característica de relato mas por ainda existir em alguns momentos a minha interpretação de fatos chamar de relato não deixaria margem para discordâncias e interpretações do leitor(a) , notei também a inegável qualidade (fruto do meu comprometimento) das fotografias capturadas , me ocorrendo então que seria interessante (no “produto final"-livro) entremear algumas fotos nas crônicas. Muito tempo depois (nas revisões finais) ainda senti um potencial nas fotos para um outro projeto (fotográfico) intitulado de “ As belezas de São Thomé em preto e branco” que terá toda minha atenção e carinho no tratamento das imagens e que será exposto simultaneamente como projeto paralelo. Decidi também que era importante acrescentar à formatação estética original o quesito trilha sonora porque muitas vezes (quase todas) , escrevi e desenhei tendo uma música tocando , os trabalhos domésticos também em sua maioria eram executados ao som de música então nada mais justo que levar ao leitor a mais esta “faceta “do que foi vivenciado de forma que também pode ser a sugestão de uma expressão sonora que muitas vezes minimizou meu desgaste físico. 

   Hoje , lembro de ter chegado ao aeroporto com várias horas de antecedência para a primeira parte do translado , com intuito proposital de escrever o esboço do que posteriormente seria esse prefácio e a introdução , além de pedir às energias divinas a proteção , orientação e destreza para colocar em palavras o que me esperava. Que aquele(a) que vai ler possa aproveitar desse meu primeiro trabalho concebido de forma livre e receptiva em sua essência que será exposto de forma irrestrita (com todo o meu esmero para o seu deleite) porém sem minha autorização para reprodução com fins comerciais. Tentarei , mesmo com o inglês sem o brilho de outrora ou como meu filho diz: teu inglês é “bald as an egg “ (careca como um ovo) , colocar este “ovo” de pé , será meu derradeiro esforço para alcançar o maior número possível de leitores.

Um abraço fraterno , Gustavo. 



Introdução

 

Meu direcionamento de estudo e atenção ao projeto 15 dias , aconteceu em pleno mês de Junho (2023) quando tive a confirmação de que havia programado as férias para Agosto porém existia a possibilidade de alteração. Inicialmente pensei em mudar para o final do ano pois assim conseguiria estudar melhor minha cidade destino além da existência de importantes eventos astrológicos neste período do ano que talvez de alguma forma , poderiam impactar o projeto , este era o entendimento lógico tentando ser prioridade porém decidi que este projeto teria a emoção sobrepujando a razão e assim sendo , meu coração pedia minha ida o mais rápido possível , sendo assim , mantive a data das férias com uma pequena intervenção: Fiz uma solicitação para que esta tivesse seu início na primeira segunda-feira do mês de Agosto. Com a alteração aprovada , dediquei ainda mais atenção e estudo ao meu destino e a todo trajeto que deveria ser percorrido até chegar no meu destino final.

   São Thomé das Letras tem uma boa estrutura em termos de hospedagem (para quem não requer luxo e requinte) , as possibilidades de acesso são diversificadas , as estradas são relativamente boas e a cidade preenche todos os pré-requisitos quanto a mistérios , fenômenos inexplicáveis , beleza natural e tem uma localização auspiciosa.

Letreiro de São Thomé das Letras 


   Minha cidade destino localiza-se ao sul do estado de Minas Gerais (sudeste do Brasil) , tem
aproximadamente 7.000 habitantes (IBGE-2022-6.904 habitantes) ,está a 1.400 metros acima do
nível do mar (sobre um depósito de quartzito) , envolta por rochas , cachoeiras e goza de uma
abundante porém peculiar fauna e flora. São Thomé das Letras tem praticamente todas as suas ruas pavimentadas com grandes e irregulares blocos de pedra que associados a um relevo com aclives e declives denota um grau extra de dificuldade para locomoção que não chega a ser incômodo aos que não tem algum tipo de limitação física. As calçadas , utilizadas para fazer minha mala pesada deslizar sobre as rodas , não são uniformes então de momento em momento foi necessário carregar a mala


Rua em São Thomé das Letras 

   Obviamente estas características relatadas serão úteis a quem chega ou deseja se deslocar a pé (como eu). Para aqueles que pretendem ir ou se deslocar de carro , meu conselho é ser suave no acelerador e se preparar para a sensação de estar “cavalgando “ dentro do carro.
 Devido a proximidade de mega centros urbanos como São Paulo (347 km) , Rio de Janeiro (330km) e Belo Horizonte (311 km) , nos fins de semana ,feriados prolongados ou período de férias escolares , a cidade absorve uma imensa quantidade de pessoas , eu diria que sua população local passa a ser mais que o dobro dos residentes oficiais(de acordo com informações recebidas). Com esse influxo massivo , indivíduos com todos os graus de educação chegam , quando falo “graus de educação “ por favor não entendam como sinônimo de graus de instrução , mas pessoas com os mais diversos entendimentos relativos a respeito individual e ao meio ambiente. Pontos turísticos mais próximos ao centro da cidade (principalmente nos períodos citados) sofrem com garrafas plásticas , latas de metal e muitas bitucas de cigarro além de ser possível
visualizar e sentir a presença de resíduos biológicos (fezes e urina) , também se faz presente a poluição sonora com todo tipo de música sem controle de volume ou horários de exibição. Enfim , todos problemas de uma cidade grande assolam São Thomé das Letras , de forma mais incisiva naqueles períodos mencionados e que do meu ponto de vista convidam à sublimação e compreensão de que a verdadeira cidade só se revela nos dias de uma semana comum.
   Não tenho certeza se acontece ao longo de todos os meses do ano ou se é uma coisa sazonal
mas durante o tempo que estive na cidade (no centro da cidade) percebi que com os primeiros
sinais de luz do sol , ocorre uma algazarra de jandaias , papagaios , bem-te-vis , sabiás e outras aves que para quem gosta de acordar cedo é um belo espetáculo e inusitado despertador natural ( normalmente eu acordava antes da “algazarra “). 


Ave posicionada do lado esquerdo do telhado fazendo a "festa " no início da manhã 

Vale informar ao leitor que as principais atividades econômicas da cidade são: turismo e
extrativismo mineral (mineração) então eventualmente (ao longo da semana) se escuta o que inicialmente julguei ser o estouro de um pneu de caminhão ou ônibus e depois fui informado que se tratava de “explosões” para a retirada do quartzito. Também é bem marcante na cidade a presença de torres de transmissão , retransmissão , comunicação , enfim emissores ou retransmissores de frequências , não sei se por questões relativas a energia , altitude ou ambas , mas não se pode negar seu impacto visual e energético na cidade. Se é bem verdade que a cidade dispõe de inúmeros atrativos turísticos , também posso afirmar com a propriedade de quem passou alguns,dias no “coração “ da cidade que a população residente na cidade , dá um brilho e charme especial ao lugar pois a presteza e hospitalidade abunda nos corações. Te convido agora para imergir na miríade de experiências vivenciadas em São Thomé das Letras durante estes 15 dias do projeto , vamos?




Capítulo 0 – A chegada
 

   O trajeto até São Thomé das Letras , do meu ponto de partida (cidade de Recife no estado de
Pernambuco) , mesmo nos dias atuais , tem nuances de uma peregrinação porque considerando parte aérea e terrestre são 11 horas viajando o que na realidade envolve muito mais tempo devido a impossibilidade de sincronizar as etapas a serem cumpridas , os horários de saída não coincidem e confesso que mesmo que coincidissem não pareceria adequado para mim pois considerando os normais e possíveis atrasos , estando presente em um dos trechos sincronizados poderia representar muito mais tempo de espera para a chegada no destino.
   A parte aérea ocorreu de forma normal sem fatos dignos de registro , o primeiro trajeto
terrestre ( do aeroporto de Confins à rodoviária de Belo Horizonte) também ocorreu de forma
tranquila , era o início da manhã e pela janela do ônibus , pude ver um pouquinho da cidade de Belo Horizonte. O pouco que vi me pareceu a cidade de São Paulo porém com seu relevo peculiar (subidas e descidas) e melhor organização urbanística , talvez devido a uma população muito menos densa. Deu vontade de descer do ônibus e ficar alguns dias (quem sabe em uma outra oportunidade?) , chegando na rodoviária enfim pude tomar meu café da manhã e partir para o
segundo trecho terrestre da sequência , era o maior trecho da sequência (298 km) da rodoviária de Belo Horizonte até a rodoviária de Três Corações e tem um tempo estimado de 6 horas para a conclusão do percurso , que praticamente cruza o estado de Minas Gerais rumo ao sul.  Por onde passei pude constatar a “força “ agrícola de Minas Gerais , tratores e máquinas estavam expostas para venda em vários trechos do trajeto , imensas plantações , principalmente de café , gado criado de forma extensiva com grande extensão de pasto em fazendas que sem medo de errar tinham a amplitude de pequenas cidades do interior (do nordeste do país). Principalmente quando havia a proximidade de algum centro urbano se observava também pequenas casas com lavouras em espaços reduzidos , provavelmente para fins de subsistência.
   Chegando a rodoviária de Três Corações , já bem cansado , comprei a passagem para o último trecho que iria até a rodoviária de São Thomé das Letras , relato aqui que a empresa responsável pelo transporte não vende a passagem antecipadamente (se fosse possível eu já compraria ali a passagem de volta) nem de forma on line. O trajeto final duraria aproximadamente 1 hora podendo durar um pouco mais que isso pois existe uma parada no “meio do caminho “ , na
rodoviária de uma cidade chamada São Bento do Abade além do fato inusitado de que se alguém solicitar (ao longo de todo trajeto) parada para subir ou descer do ônibus , era de pronto atendido. A viagem que começou com todos os passageiros sentados e algumas cadeiras vazias , acabou com todas as cadeiras ocupadas e umas 8 pessoas de pé no ônibus.
   Cheguei na rodoviária de São Thomé das Letras muito cansado , era o final da tarde e já
começava a escurecer , assim que peguei minha bagagem , fiz como combinado , ligando para a
proprietária do apartamento alugado para avisar que enfim cheguei. Ao receber minha ligação ela me orientou a seguir até o receptivo turístico da cidade e ao chegar lá , ligar novamente. Como eu havia previamente capturado o mapa com o caminho entre a rodoviária e o apartamento alugado , comecei inicialmente subindo uma ladeira que era um verdadeiro desafio porque somado ao desgaste da viagem , eu tinha mais de 4 kg nas minhas costas (mochila) e uma mala com uns 7 kg que eventualmente eu tinha que carregar devido às irregularidades na calçada. Pelo que me lembro , parei pelo menos umas 5 vezes antes de concluir a subida e ao checar o mapa não vi nada que coincidisse ao local que eu estava. Decidi ligar a Internet e acessar
o aplicativo de localização para ser guiado. Comecei a descer por uma rua paralela e quando percebi que estava no trajeto de volta à rodoviária , parei e liguei de novo para a proprietária do apartamento , ela me passou uma nova referência (mais fácil) , a praça central. Nesta ocasião
tive a triste confirmação de que o mapa capturado e a localização informada pelo aplicativo era referente a unidade 1 de apartamentos e o que aluguei ficava na unidade 2 (próximo da praça). Completamente entregue ao cansaço , bateu o desespero e aí decidi desligar o celular e pedir informações de como chegar a praça central.
   A orientação que tive foi: “siga em frente “ o que significava dizer: volte a subir a ladeira , na
situação que me encontrava eu já não conseguia andar 15 metros sem parar. Sem forças , sem fôlego , completamente desorientado , eu seguia. Diz um certo ditado que “quem quer chegar aos céus precisa aprender a se ajoelhar “, reduzido a muito pouco , meu destino parecia pedir esse aprendizado. No auge do cansaço e desespero , novamente liguei o celular e fui para o aplicativo Uber , recebi a informação que o aplicativo não opera na cidade , não havia táxi
circulando e que eu saiba , não existe ponto de táxi na cidade.
   Nada tinha a fazer além de me entregar a sorte porém antes de sentar na calçada junto com minha mala , resolvi ligar mais uma vez para a proprietária do apartamento alugado e repassei nomes de lugares que eu conseguia visualizar , ela me orientou a olhar para o meu lado direito e assim fazendo vi o receptivo turístico da cidade (o apartamento ficava em frente). Não sei se pelo desespero , cansaço ou ambos , eu estava realmente ao lado da referência inicial , fui até a porta de entrada do apartamento sem desligar o telefone , tamanha era a minha insegurança , a porta tinha um dispositivo eletrônico (uma fechadura eletrônica) que necessitava uma senha para abrir. Me foi passada a senha , a proprietária escreveu em mensagem de texto e eu consegui
errar por 3 vezes consecutivas resultando em travamento por segurança e assim eu tive que ficar mais 10 minutos esperando para fazer uma nova tentativa. Passado o tempo necessário , eu consegui enfim abrir a porta e uma mistura de alegria e tristeza me invadiu o coração quando vi que para chegar ao apartamento teria que subir 14 degraus de uma escada. Uma vez superada a escada (com mala e mochila) , entrei e aí foi uma sequência de: banho , comer algo e cama.



Capiítulo 0 playlist :

 John Mayer : ○ Álbum: Room for squares
                    
                     ○ Álbum: Heavier things




Eyes on me (2023)
Acrylic 




Ponto de encontro


   Enquanto o sol percorria o dorso de todos os teus santos , eu corria ao teu encontro
   Engolindo dores impostas e desviando das severas obscuridades lançadas sem força para germinar
   Na terra onde o fogo sagrado passou , brasas eternas ardem , avivadas pelo vento constante
   O sol se preparava para o merecido descanso em teus altiplanos e em esforço descomunal , eu rastejava no caminho
   A noite reinava , a prosa findou e o corpo desmantelado sucumbiu , só
   O planejamento que fez do ponto , reta , partiu de forma descontínua até o destinatário
   Pedaços unidos e polidos com a força de tudo que brilha nas primeiras horas da manhã
   Sem sinais ou trilhas abertas eu simplesmente seguia e escutava o movimento vigoroso de suas águas
   Me curvei e pedi a benção do tempo , que ele abrandasse minha fome de conexão estabilizada por luz na jornada
   Os dispositivos não podiam ajudar e a autorizada simbiose se mostrou nutricionalmente eficaz
   Inoperantes por decreto me empurraram ao teto de uma pirâmide oca e meticulosamente erguida
   Do seu cume , vi o lume de um marco atemporal , nosso ponto de encontro
   Te encontro enfim , misturada ao azul de um céu sem nuvens em pausado momento de glória
   Receba meu ardor , minha cor e com todo o bem querer que nos envolve , fiquemos a secar (ao sol) um pranto do passado , expurgado e tratado como necessário
   Iniciamos assim uma fermentação em nosso encaixe de precisão e mão na mão encerramos o inicio de uma parceria sem fim



Gustavo H.F. de Sousa (2023)   Projeto 15                                         dias






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